Essa revisão resume o que se sabe atualmente sobre a influência de vários componentes na dieta sobre as células B e produção de (auto)anticorpos em relação à microbiota intestinal, com foco particular no eixo cérebro-intestino na patogênese da Esclerose Múltipla.
Sabe-se que a dieta influencia a microbiota intestinal, as bactérias que colonizam o nosso intestino. Esta pode promover saúde ou gerar doenças.
Evidências científicas estão sendo acumuladas para esclarecer a relação da dieta e as doenças autoimunes.
Existem células do sistema imune chamadas de células B. Estas produzem anticorpos das classes IgM, IgA, IgG e IgE, os quais são usados para destruir os microrganismos nocivos. Entretando, nas doenças autoimunes o sistema imune tolera as células autorreativas, isto é, células que produzem anticorpos contra o próprio organismo.
Bactérias podem produzir substâncias que apresentam diversas funções no organismo e defender contra a colonização de patógenos. Podem treinar o sistema imune, por exemplo atuando nas células B para que estas produzam IgA, anticorpo que defende nosso organismo.
Componentes da dieta, proteínas, gorduras, carboidratos e polifenois, podem afetar a composição do microbioma, alguns estimulam o crescimento de certas bactérias e ao mesmo tempo inibem o de outras. Como consequência influenciam a imunidade e saúde humana.
A dieta padrão ocidental, que é rica em energia, proteína animal, gordura saturada, açúcar e sal e pobre em vegetais e fibras influência na prevalência de autoanticorpos, desrugalando a resposta imune, gerando inflamação.
Estudos com ratos que ficaram obesos devido uma dieta rica em gorduras mostram que as células B contribuiram para atividade inflamatória do tecido adiposo levando insensibilidade à glicose, dificultando diminuir a glicemia, reduzindo a produção sistêmica de anticorpos contra infecção por influenza (facilita ficar gripado) e aumenta anticorpos pró-inflamatórios e autorreativos (que agem contra o próprio corpo)
Estudos clínicos prévios provam que proteínas derivadas de plantas, carboidratos não digeríveis (prebióticos) e restrição no consumo de gorduras e os polifenois aumentam o número de bactérias benéficas no intestino como as Bifidobacterium e Lactobacillus. Curiosamente, ao contrário das proteínas animais, as quais induzem a doença inflamatória intestinal e doenças cardiovasculares, as proteínas vegetais aumentam ácidos graxos de cadeia curta e células T regulatórias, atuando contra as respostas inflamatórias.
Assim sendo, uma dieta ocidental pobre em componentes nutricionais de alto valor como os pré e probióticos pode negativamente modular as respostas imunes levando, desta forma, à diminuição da tolerância imune bem como a progressão de doenças e infecção.
Evidências crescentes destacam o envolvimento do intestino com o início e progressão da Esclerose Múltipla (EM).
A microbiota comensal é necessária para o desenvolvimento da doença em modelos experimentais de encefalomielite (inflamação do sistema nervoso)autoimune espontânea e ativamente induzida.
Em um estudo, ratos livres de germes que receberam transplante de microbiota de pacientes com EM apresentaram em sintomas graves de encefalomielite e tiveram redução de células T reguladoras IL-10+ (um tipo de célula do sistema imune) e ratos livres de germe que receberam transplante de microbiota de humanos saudáveis não apresentaram.
Nesses ratos, o tratamento com antibióticos estimulou células T e B regulatórias, as quais contribuíram para proteção contra EAE (encefalomielite autoimune experimental).
Intervenções dietéticas foram testadas em modelos EAE. Dieta profilática com restrição calórica de 66% protegeu ratos Lewis (uma linhagem de ratos que adoecem facilmente de doenças autoimunes) de desenvolverem EAE. Outras dietas que reduziram sintomas de EAE: dietas com ácidos graxos de cadeia curta, com baixo teor de gordura e aspartato de zinco.
Vitamina A, E e D são importantes reguladores do sistema imune e tem demostrado limitar progressão da EAE. A administração da forma ativa da vitamina D preveniu o desenvolvimento de EAE e reduziu significativamente a produção de anticorpos contra proteína básica da mielina (componente do sistema nervoso).
Dados preliminares de um estudo recente indicaram que um dieta que mimetize jejum ou dieta cetogênica crônica pode ser seguro, viável, e potencialmente eficaz no tratamento de EM.
Em resumo, o estudo conclui que a “dieta ocidental” consistindo, entre outras, de gordura alta e alto teor de sal tem sido associado ao aumento da produção de autoanticorpos, obesidade, distúrbios inflamatórios e doenças auto-imunes; bactérias intestinais modulam a diferenciação, maturação e ativação de células B com profunda influência nas respostas de IgA; intervenções dietéticas e uso de probióticos podem restaurar a desregulação imune que é vista nos casos de alterações da microbiota induzidas pela dieta;
Conclui ainda que em EM, anticorpos IgA contra diversos autoantígenos foram descritos. Além disso, um microbioma alterado foi observado em pacientes com EM e estudos em animais sustentam uma possível ligação entre o microbioma e a doença. No entanto, o papel exato da dieta e do microbioma na patologia mediada por células B na EM, juntamente com os respectivos mecanismos, ainda deve ser determinado.